A única constante da vida é a mudança, e as nossas próprias relações individuais com o lugar onde crescemos, ou onde atingimos a maioridade, são invariavelmente complicadas não apenas pelas alterações na paisagem, mas pela forma como as nossas perspectivas mudam. Pouco antes de sua morte, o grande cineasta Orson Welles quis fazer um filme baseado em sua experiência na vida real ao produzir a peça The Cradle Will Rock, em Nova York. (O projeto foi concretizado muitos anos após a morte de Welles, em um filme bastante desrespeitoso para com Welles, dirigido por Tim Robbins, que teve alguma coragem.) Roger Hill, mentor de Welles e amigo de longa data, perguntou a Welles em uma conversa por telefone se ele atiraria na própria coisa em Manhattan. “Já estive em Nova York muitas vezes nos últimos anos e não tenho vontade de voltar para a cidade onde morei.” Isso foi em 1984, quando eu comecei a morar em Manhattan (me mudei para o Brooklyn algum tempo depois), e agora muitas vezes não reconheço inteiramente o lugar que chamei de lar, porque o que o tornou meu lar quando eu era filhote simplesmente não é. inteiramente lá mais.

O cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho entende esse sentimento tão bem quanto eu e talvez você, e fez um filme adorável e envolvente sobre isso, chamado “Imagens de Fantasmas”. O assunto aqui é sua cidade natal, Recife. Não é um lugar que tenha tanta importância no discurso norte-americano como o Rio ou São Paulo, mas é uma grande metrópole num país que, não devemos esquecer, é maior do que os Estados Unidos contíguos por uma margem não negligenciável.

Embora Filho seja mais conhecido aqui como codiretor do audacioso e distópico quase ocidental “Bacarau” de 2019, seus filmes anteriores se passam em Recife e foram rodados lá, às vezes no apartamento em que o diretor de 53 anos cresceu. acima. Ele divide este documentário em três partes; a primeira é sobre a casa de sua infância, com lembranças particularmente afetuosas de sua mãe, uma ativista política progressista que informou sua sensibilidade e sua consciência e que morreu com cinquenta e poucos anos. Ele inclui clipes dos filmes de terror grosseiros que fez quando menino e dos mais polidos que fez na idade adulta, e reconhecemos arcos e janelas no apartamento. Ele conta a história de um cachorro da vizinhança, Nico, cujos latidos no fim de semana, quando seu povo o abandonava, mantinham sua casa funcionando. Anos depois, ele ouve o latido de Nico novamente enquanto está no antigo lugar e se pergunta se está ouvindo o fantasma do cachorro. Mas não: a televisão nacional está exibindo o primeiro longa-metragem de Filho, “Sons ao Redor”, e os moradores de outro apartamento estão assistindo; Nico foi ressuscitado pela trilha sonora de seu próprio filme.

Os fantasmas do título do filme às vezes são particulares. Há uma foto que Filho tirou em um passeio pelo bairro, destacando uma figura ectoplásmica que poderia ser um fantasma. E mais tarde, transferindo o filme analógico para o digital, uma imagem em movimento de uma marquise de cinema começa a apresentar falhas de uma forma que sugere uma mensagem codificada. Na segunda parte do filme, Filho nos leva a um passeio pela cultura cinematográfica do Recife, principalmente pelas salas de cinema hoje fechadas, duas das mais sentidas que já se enfrentaram do outro lado do rio Capibaribe. Um deles tinha sido criado com dinheiro alemão e estava a ser usado para difundir a propaganda nazi na década de 1930; dirigíveis como o Hindenburg aparentemente visitavam Recife regularmente.

Exibindo fotos e imagens de arquivo conforme sua imaginação o leva, o diretor faz jogos de palavras com títulos marcantes “’Meu nome é ninguém’… ‘Meu nome é terremoto’”, entoa ele, fundindo o então agora em exibição Spaghetti Western com o a próxima atração ostentava por baixo. Ele entrevista um projecionista que exibiu “O Poderoso Chefão” em um único cinema durante um mês inteiro. Podemos considerar um filme do qual nunca nos cansamos, o projecionista Alexandre Moura discorda, pelo menos um pouco.

Filho está sendo sentimental aqui? Como Raymond, o mordomo, responde a uma pergunta semelhante em “Cidadão Kane” de Welles, “Sim e não”. “É meio triste se apegar a um produto”, diz o diretor a certa altura, mas não consegue deixar de associar o cinema à igreja, principalmente se o cinema foi construído sobre uma igreja, como o ainda existente Teatro São Luiz. No terreno onde existia uma igreja anglicana de 1838, quase um século depois, quando a influência britânica no Brasil havia diminuído, erguia-se a São Luiz, cujo interior resplandece com motivos de Flor de Lis. É possível que Filho esteja envolvido na administração do teatro; em uma coda ficcional no final do filme, o diretor pega um táxi (a cena lembra um pouco algo saído de “Uma Noite na Terra” de Jarmusch) e diz ao motorista que administra uma sala de cinema. Parece um lugar que vale a pena visitar.